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“Notários têm acesso a dados relevantes que merecem tratamento adequado”

31 de ago de 2021

“Notários têm acesso a dados relevantes que merecem tratamento adequado”

 ANB conversa com Marcelo Guimarães Rodrigues, desembargador do TJ/MG, sobre o livro “Lei Geral de Proteção de Dados e os Serviços Notariais e de Registro”.

Desde agosto deste ano a Lei Geral de Proteção de Dados passou a aplicar multas sobre aqueles que não estiverem em conforme com suas regulamentações. Com o crescimento do uso da internet e novas tecnologias nas serventias extrajudiciais de todo o país, em conjunto com o denso fluxo de dados pessoais de clientes, os Tabelionatos de Notas se veem como um dos agentes principais das recentes responsabilidades.

A capacitação e conteúdo informativo sobre a LGPD se torna então um dos principais pontos focais atuais para o cotidiano de trabalho. Com o objetivo de entender melhor o assunto e divulgar uma das principais obras a respeito da Proteção de Dados, a Academia Notarial Brasileira (ANB) conversou com Marcelo Guimarães Rodrigues, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

O ex- juiz de Direito Titular da Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte/MG é autor do livro Lei Geral de Proteção de Dados e os Serviços Notariais e de Registro”, lançado recentemente pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção Minas Gerais.

ANB – Como surgiu a iniciativa de escrever o livro e por que este tema foi escolhido?

Marcelo G. Rodrigues – A necessidade de transformar o modelo de negócio, de inovar, e mais recentemente a própria pandemia, mudou o mindset das organizações. Atualmente – observamos no Bloco Europeu – que a generalidade das corporações implementa estratégias de gestão de dados que acrescentam mais valor ao seu negócio e oferecerem aos seus colaboradores, clientes e à sociedade em geral, respeitando a ética, as normas e a regulação como o RGPD. O emprego de tecnologias, tais como autonomia, real time, In Memory, Inteligência Artificial, Machine Learning, Blockchain e outras, de forma convergente, ou seja, alavancando dados nos repositórios onde residem, são cruciais para explorar novas possibilidades na utilização dos dados de modo a permitir melhorar os modelos de negócio existentes, inclusive criar novos modelos de negócio. Crescentemente a tecnologia, de forma convergente, autônoma, inteligente e segura, nos ajuda a tirar partido dos dados e a transformá-los em conhecimento de uma maneira mais simples e ágil. A aceleração do uso da tecnologia – mais inteligente e autônoma – nos permite focar nos resultados em vez de tarefas rotineiras e de baixo valor. Fenômeno que vai se intensificar.

 

ANB – De que forma a implementação de atos notariais online impacta na gestão e proteção de dados pessoais nas serventias do Brasil?

Marcelo – G. Rodrigues: Na qualidade de agentes públicos responsáveis pela guarda de dados dos cidadãos, desde o seu nascimento até o final da vida, os notários e registradores atuam gerindo milhões de informações da população brasileira e têm acesso a dados relevantes que merecem tratamento adequado. A publicidade jurídica é afeta aos objetivos que informam toda a legislação concernente aos registros públicos. É atividade ou função pública, que por vocação inigualável na organização da administração pública nacional tem por escopos únicos e exclusivos, além de irradiar publicidade, promover e resguardar a segurança jurídica, a autenticidade e a eficácia dos atos jurídicos mais significativos e relevantes na vida das pessoas. De fato, o tabelião e o registrador garantem as liberdades individuais e estão a serviço da segurança jurídica. Nos termos da Constituição, os serviços regulados pela Lei 8.935 genuinamente integram o Poder Público, inclusivamente para os efeitos designados na LGPD em seu art. 23, §§3º e 4º, cuja normativa assenta, em relação aos cartórios do extrajudicial, abordagem isonômica às pessoas jurídicas de Direito Público, também para efeito de lhes incumbir o dever de compartilhar o acesso eletrônico aos seus dados à administração pública, da qual são partes indissociáveis. Observadas as disposições do Art. 23, o tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de Direito Público deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público. O objetivo do legislador é o de garantir um fluxo condicionado e apropriado de informações pessoais, o que reflete o conceito contemporâneo de proteção de dados pessoais. E, como se percebe, por diferentes razões, resulta mesmo de todo inviável a proibição pura e simples de tratamentos de dados. Cuida-se, antes de tudo, de impor um balizamento ético ajustado aos valores incorporados no texto da Constituição a respeito de questões que permeiam os direitos fundamentais dos indivíduos no contexto do Estado democrático de direito em tema altamente sensível.

 

ANB – Qual a importância da atualização de conhecimentos e capacitação dos profissionais de cartórios em relação a novas tecnologias e suas
regulamentações?

Marcelo G. Rodrigues – Diria que a importância de atualização constante é mesmo de ordem fundamental. A LGPD reforça o vetor da autodeterminação informacional. E vivemos em quadra, conforme já referido, da era da informação, impulsionada pelo notável desenvolvimento e rapidez na disseminação da tecnologia e da ciência, como nunca antes fora na história da humanidade. Neste viés, é possível supor que, em virtude de pressões do mercado, é gerado ambiente de ampla competitividade e o desenvolvimento de tecnologias disruptivas, em boa medida promovidas por startups e novos empreendedores. Toma-se por exemplo, que a definição do conceito do que é anonimizado ou não será dinâmica, nomeadamente porque as tecnologias estão em constante evolução. Trata-se de um conceito aberto. No diálogo com a Lei de Acesso a Informação, a que remete já no artigo 1º da LGPD, nota-se que a normativa faz uso do emprego de políticas de dados abertos com relativa frequência. Gestores públicos podem, de modo legítimo, abrir dados, todavia sem a possibilidade de identificação de seus titulares, a despeito de que, ao abri-los, surge o risco de cruzamento desses dados com outros, a partir do que o anonimato do titular poderá ser rompido. Evitar, a todo custo, esse risco é essencial.

 

ANB – De que forma o livro dá suporte ao entendimento de blockchain, compliance e outros novos termos para tabeliães de Notas? Diria que é uma linguagem didática?

Marcelo G. Rodrigues – O objetivo é desmistificar esses novos instrumentos da tecnologia. A blockchain, operacionalizada em 2008 e agora amplamente difundida, resulta de uma plataforma que garante a guarda e a execução de documentos relevantes da organização, tais como livros sociais, contratos, transações comerciais, tributos e emissão de notas fiscais, entre outros recursos. É alicerçada em criptografia como meio de assegurar a intangibilidade das informações. Ou seja, inserido determinado dado em um bloco, não só o dado é imutável como restará criptografado. Por sua vez, o conteúdo dos dados inseridos na blockchain geralmente diz respeito a transações ou a como transações são representadas. A plataforma blockchain está localizada na rede mundial de computadores e é uma tecnologia que armazena, em blocos, dados criptografados. Cada um deles possui um número diferente, como os que surgem por meio da alocação dos dados e das transações, na medida em que são realizados. De tempos em tempos, cada um desses blocos gera uma combinação de códigos diferentes entre si, gerando novos códigos, o que torna impossível sua adulteração e não sendo permitidas alterações posteriores. Assim, a plataforma pode se tornar pública e transparente ou, caso necessite de sigilo, poderá também ser privada, caso as partes que transacionam assim decidirem. Mas a blockchain não se restringe a operações de transferência de créditos. Permite a circulação de valor de qualquer natureza entre as partes. Nesse descortino, a blockchain assegura igualmente o registro de identidade – conjunto de informações compostas por dados pessoais ou sensíveis. Por esse motivo é fundamental ressaltar que essa funcionalidade não resolve totalmente o processo de gestão empresarial, pois com a LGPD, obrigatoriamente, os dados devem ser mutáveis, não bastando apenas a obtenção de sua guarda e registro, mas também a possibilidade de alteração ou até mesmo de descarte por aqueles que os detêm, inclusive o denominado ‘direito ao esquecimento’ (right to be forgotten), influenciado pelo RGPD europeu.

 

ANB – Qual a importância da obra ao cotidiano e à prática notarial?

Marcelo G. Rodrigues – Destrinchar, ainda que em síntese, um tema novo no Direito brasileiro e com alta repercussão no âmbito dos serviços públicos, no qual se inserem as atividades tabelioas e de registros públicos. O livro aborda as questões mais importantes e apresenta a coluna vertebral dos novos institutos jurídicos introduzidos pela Lei 13.709/18, de modo objetivo e linguagem acessível.

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