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“O trabalho registral e notarial é imprescindível para a existência da boa-fé entre as partes”

01 de jul de 2021

Tão importante na rotina do profissional que atua em cartórios, o princípio da boa-fé recebe atenção especial no livro “O Princípio da Boa-Fé no Direito Civil” que, visando dissecar os principais pontos de sua existência, a coloca sob uma ótica globalizada, contemporânea e prática.

Eduardo Tomasevicius Filho, doutor e livre-docente em Direito Civil e professor Associado do Departamento de Direito Civil da Universidade de São Paulo (USP), falou com a Academia Notarial Brasileira sobre sua obra e a relação do tema com o momento de pandemia que vivemos.

 

ANB – Quais são os tópicos tratados no livro?

 Eduardo Tomasevicius Filho – A tese consistiu em uma análise do princípio da boa-fé de acordo com a nova economia institucional. Utilizei os pressupostos desse ramo da economia para analisar como a boa-fé funciona em nossas vidas. Assim, parti dos conceitos de informação assimétrica, custos de transação e o papel das instituições no funcionamento da economia, considerando a boa-fé como uma instituição jurídica. Ela teria como finalidade reduzir o desequilíbrio entre “quem sabe mais sobre quem sabe menos”, o estado de informação assimétrica, e os gastos com excedentes devido à incerteza e ao desconhecimento entre as partes durante um negócio, os custos de transação. Partindo-se desse referencial teórico, foram analisados os três deveres principais decorrentes da boa-fé, que, no caso, são os deveres de coerência, de informação e de cooperação. Também se analisou a boa-fé subjetiva, como também a aplicação da boa-fé nas negociações e a denominada responsabilidade pré-contratual.

  

ANB – Qual a relevância do tema neste momento de pandemia?

 Eduardo Tomasevicius Filho – A boa-fé tem um enorme papel em cenários de crise como o que estamos vivendo. Seja pela boa-fé contratual, com a dificuldade de darmos cumprimento aos contratos. Neste caso, o papel da boa-fé trabalha na renegociação dos contratos como um esforço mútuo entre as partes que, sem obrigação de mudar o contrato, o fazem pelo bom funcionamento dessa relação. Um segundo aspecto importante é a proteção de dados e a disponibilidade dos mesmos para efetivação de programas de monitoramento de movimentação entre cidadãos, de porcentagem de isolamento social. A LGPD prevê a boa-fé também no tratamento de dados, com critérios que não quebrem o Direito ou violem a privacidade. Também se aplica no Direito de Família, como parâmetro ao exercício de direitos e poderes, como no caso da guarda compartilhada.

 

ANB – Como a obra se relaciona com o trabalho dos notários?

Eduardo Tomasevicius Filho – A boa-fé está intrinsecamente ligada ao trabalho do notário. Por isso, quando comecei a escrever sobre o assunto procurei abordar os temas já tratados por cada área da atividade extrajudicial. Alguns dos maiores exemplos são as procurações, reconhecimentos de firma e escrituras, que reduzem o estado de informação assimétrica e custos de transação, atestando informações e garantindo a confiança entre os requerentes e a praticidade em suas relações com segurança jurídica. Assim, o trabalho registral e notarial é imprescindível para a existência da boa-fé entre as partes.

 

ANB – O que o motivou a escrever sobre o princípio da boa-fé?

 Eduardo Tomasevicius Filho – A obra é um trabalho de doutorado que comecei a escrever em 2002 com a mudança do Código Civil, que consagrou a boa-fé. Defendi a tese em 2007 e a publiquei agora em 2020, com conteúdo atualizado. É uma obra de fôlego, detalhada e que chega em um momento muito particular, demandando, pelas circunstâncias extraordinárias, o uso intenso da boa-fé na resolução dos problemas a fim de passarmos pelas diversas dificuldades que surgiram com a pandemia de Covid-19.