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Artigo – Serviço notarial acumulado ao Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais em Minas Gerais: limite territorial – Por Samuel Luiz Araújo

11 de ago de 2020

Serviço notarial acumulado ao Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais em Minas Gerais: limite territorial

  

Samuel Luiz Araújo

Oficial do 2º Tabelionato de Notas de Sacramento/MG

Doutor em Direito (PUC-SP)

 

O Provimento Conjunto do Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e do Corregedor-Geral de Justiça de Minas Gerais n. 93/2020, em vigor desde 30 jun. 2020, tratando da acumulação dos serviços notariais ao serviço de registro civil das pessoas naturais, prescreve em seus arts. 172 e 173:

Art. 172. O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do município para o qual recebeu a delegação.

Parágrafo único. Na hipótese de serventia localizada em distrito, o oficial de registro civil das pessoas naturais com atribuição notarial deverá observar a circunscrição territorial do respectivo distrito, inclusive para atos notariais.

Art. 173. O tabelião de notas, incluído o oficial de registro civil das pessoas naturais com atribuição notarial no exercício dessas atribuições, não poderá praticar atos notariais fora da serventia.

  • 1º Mediante solicitação do interessado, o tabelião de notas e o oficial de registro civil das pessoas naturais com atribuição notarial, ou seus prepostos, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.935, de 1994, poderão se deslocar para diligências necessárias à prática do ato, observados os limites do município, no primeiro caso, ou distrito, no segundo, para o qual recebeu a delegação.
  • 2º Considera-se, também, diligência, mediante requerimento escrito, o deslocamento do tabelião de notas ou do oficial de registro civil das pessoas naturais com atribuição notarial, ou de seus prepostos, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.935, de 1994, com a folha do livro ou cartão de autógrafos, por meio de controle interno na forma de protocolo e obedecido o disposto no § 1º deste artigo, para fins de coleta de assinaturas necessárias à conclusão do ato.

A prescrição normativa delimita a atuação espacial dos registradores civis com atribuição notarial, fixando-a dentro dos limites do respectivo distrito para o qual recebeu a delegação (art. 172, p. único, in fine e art. 173, § 1º).

Insurgem-se os registradores civis com atribuição notarial ao disposto nos mencionados arts. 172 e 173 do Provimento Conjunto 93/2020, alegando – em apertado resumo – violação ao art. 236 da Constituição Federal de 1988 e ao art. 8º da Lei Federal 8.935/94, especificamente no que tange à abrangência da atuação, isto é, que eles, registradores civis, podem praticar atos notariais além do território de seus distritos, adentrando a sede da Comarca (ou Município).

A defesa dos interesses da classe é esperada e não menos louvável. Acrescente-se a isso o direito de petição garantido constitucionalmente a todo aquele que se sentir lesado em seus direitos. Nada obstante isso, penso que a irresignação dos colegas registradores carece de fundamento, de modo que o ato normativo editado conjuntamente pelo Presidente do TJMG e pelo Corregedor-Geral de Justiça encontra-se em perfeita harmonia com o ordenamento jurídico.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 236, § 1º, dispõe que lei federal regulará a atividade. O regulamento do dispositivo foi editado em 1994, materializado na Lei Federal 8.935, de 18 nov. 1994. Esta norma, em seus arts. 7º a 9º, prescreve:

Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I – lavrar escrituras e procurações, públicas;

II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III – lavrar atas notariais;

IV – reconhecer firmas; V – autenticar cópias.

Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato.

Art. 8º É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio.

Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.

O art. 7º da Lei 8.935/94 traz as atribuições privativas do tabelião de notas; o seu art. 8º consagra o princípio da livre escolha do tabelião de notas; e o seu art. 9º prescreve os limites espaciais de sua atuação, circunscrevendo-a às divisas do Município.

Tratando das atribuições e competências dos oficiais de registro, dispõe o art. 12 da Lei 8.935/94 isto:

Art. 12. Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas. (grifo meu)

O art. 12 em comento prescreve imperativamente que a atuação do registrador civil das pessoas naturais se fará com atenção às normas que definirem as respectivas circunscrições geográficas. Constata-se pelo dispositivo que houve delimitação espacial exata, a qual se dará de acordo com a norma definidora de sua circunscrição geográfica.

Seguindo na constatação de imposição de limites territoriais à atuação dos registradores civis com atribuição notarial, prescreve o art. 44, § 3º, Lei 8.935/94:

Art. 44. Verificada a absoluta impossibilidade de se prover, através de concurso público, a titularidade de serviço notarial ou de registro, por desinteresse ou inexistência de candidatos, o juízo competente proporá à autoridade competente a extinção do serviço e a anexação de suas atribuições ao serviço da mesma natureza mais próximo ou àquele localizado na sede do respectivo Município ou de Município contíguo.

  • (Vetado).
  • 2º Em cada sede municipal haverá no mínimo um registrador civil das pessoas naturais.
  • 3º Nos municípios de significativa extensão territorial, a juízo do respectivo Estado, cada sede distrital disporá no mínimo de um registrador civil das pessoas naturais.

A finalidade do dispositivo é garantir ao cidadão que reside no distrito o acesso aos serviços essenciais prestados pelos tabelionatos de notas e pelos serviços de registro, a fim de que ali, no próprio distrito, ele possa realizar os atos e negócios jurídicos sob o amparo da segurança jurídica, destinação e ancoradouro da atividade notarial e registral, dentre outros.

No mesmo sentido o disposto no art. 53 da Lei 8.935/94, dispondo – analogamente às funções do registrador civil com atribuição notarial – que continuam em vigor as determinações relativas à fixação da área territorial de atuação dos tabeliães de protesto de títulos, “a quem os títulos serão distribuídos em obediência às respectivas zonas”. Este dispositivo reforça a tese de delimitação territorial dos tabeliães e oficiais de registro.

No plano estadual a legislação persegue o mesmo sentido de atuação dentro dos limites do distrito para o qual o registrador civil recebeu a delegação. A Lei 12.920, de 29 jun. 1998, cuida da fixação de critérios populacionais, socioeconômicos e estatísticos para criação, fusão e desmembramento de serviços notariais e de registro no Estado de Minas Gerais. O art. 4º desta lei prescreve:

Art. 4º – Qualquer que seja o motivo do desmembramento, nas comarcas onde o sistema de zoneamento para efeito de registros já se acha implantado, fica assegurado ao titular da serventia atingida o direito de permanência na respectiva área territorial de abrangência remanescente, e, nas comarcas onde ainda não tiver sido implantado o zoneamento,

ao titular da serventia já existente fica assegurado o direito de escolha da zona. (grifo meu)

Mais uma vez a lei fixa limites à atuação dentro de determinado espaço, garantindo o direito de permanência na respectiva área territorial de abrangência remanescente, obstando que o delegatário ultrapasse os seus limites, garantindo-se ainda ao titular da serventia já instalada o “direito de escolha da zona”.

 

O art. 5º da Lei Estadual 12.920/98 estabelece:

Art. 5º – Nos distritos dos municípios que compõem a comarca, haverá, acumulado ao Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais, um Tabelionato de Notas, salvo no distrito ou no subdistrito de cidade sede de comarca em que o Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais é isolado.

Verifica-se do dispositivo que a atuação notarial cumulada com a registral se dá nos distritos dos municípios que compõem a comarca, pois na sede da comarca a atribuição notarial é exclusiva dos tabeliães de notas. O mesmo entendimento extrai-se do art. 2º, § 2º, da Lei Estadual 12.919/98, que dispõe:

Art. 2º – As delegações para o exercício das atividades notariais e de registro, previstas na Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, são criadas por lei de iniciativa do Tribunal de Justiça, observado o disposto no inciso VII do artigo 98 da Constituição do Estado.

  • 1º – É vedada a acumulação de delegações, salvo nos municípios ou nos distritos que não comportem a instalação de serviços autônomos em razão do volume de serviços ou de receita.
  • 2º – Salvo no município sede de comarca, o serviço notarial é acumulado ao serviço de registro civil das pessoas naturais. (grifo meu)

O § 2º inicia com a oração “Salvo no município sede de comarca” tão somente para não fugir do campo da lógica – talvez até cometa um pleonasmo –

. Na sede da comarca é desnecessária a acumulação, visto ter lá instalado o próprio tabelionato de notas, cujas atribuições são exercidas pelo tabelião de notas, isoladamente.

Seguindo o raciocínio lógico, a cumulação dá-se nos distritos para garantir ao cidadão o acesso aos serviços notariais e registrais naqueles locais desprovidos dos serviços ditos especializados, exercidos sem qualquer cumulação. A desacumulação, ou desanexação, ocorre quando, por razões políticas, verifica-se a conveniência e oportunidade de instalação de novos serviços, o que em Minas Gerais é regulado pela Lei Complementar n. 59/2001. E esta norma prescreve, em seu art. 300-B, caput, que se aplicam aos serviços notariais e registrais as normas expedidas pela Corregedoria-Geral de Justiça.

No campo deontológico, prescreve o art. 30, XIV, Lei 8.935/94, que é dever do notário e do registrador observar (cumprir) as normas técnicas ditadas pelo juízo competente. Como sanção à inobservância das prescrições legais ou normativas, prescreve o art. 31, seguinte, que o comportamento é tipificado como infração disciplinar, passível de penalidade.

Percebe-se finalmente que a acumulação notarial com a registral dá- se por exceção, cuja interpretação deve ser restritiva. No sistema da acumulação notarial pelos registradores civis é expressamente vedada a lavratura de escrituras de testamento por estes oficiais. Podem eles lavrar “instrumentos translatícios de direitos reais, procurações, reconhecimento de firmas” e autenticações (art. 52, Lei Federal 8.935/94). Só isso. O art. 170, p. único, do Provimento Conjunto 93/2020, já mencionado, reforça o atendimento excepcional, prescrevendo:

Parágrafo único. Os oficiais de registro civil das pessoas naturais dos distritos onde as atividades notariais lhes estejam atribuídas cumulativamente ficam autorizados a praticar os atos atribuídos pela lei ao tabelião de notas, à exceção da lavratura de testamentos em geral e da aprovação de testamentos cerrados.

Por essas razões, entendo que a atuação do registrador civil de pessoas naturais com atribuição notarial dá-se por exceção e dentro do perímetro demarcado do seu distrito, sendo-lhe expressamente vedada a prática de ato notarial além desse limite. Ato notarial lavrado extramuros é ilegal, praticado por quem é desprovido de delegação. Somos oficiais enquanto estivermos dentro do nosso território; fora dele, somos um cidadão como qualquer outro. É inimaginável um juiz decidindo além de sua Comarca, sem autorização para tanto; do mesmo modo um membro do Ministério Público praticando atos extramuros; um prefeito administrando a cidade vizinha. Cada qual atua dentro do seu território, respeitando o espaço do outro, agindo de conformidade com a lei. Isso é o que a sociedade espera de quem deve garantir a “publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.

 

Sobre o autor:

Samuel Luiz Araújo

Formação acadêmica
Doutor em Direito pela PUC-SP (2015)
Mestre em Direito das Relações Econômico-Empresariais pela Unifran (2005)
Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Unifran (2001)
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (1999)

Atividade profissional
Oficial do 2º Tabelionato de Notas de Sacramento-MG desde 2002, mediante aprovação em concurso público (Edital TJMG 01/1999)
Professor de Direito Civil em graduação (Facthus-Uberaba, UNESP-Franca, Unipac-Uberaba)
Professor de Direito Civil em pós-graduação (FDRP-USP)
Professor de Direito Notarial em graduação (FDF-Franca)
Professor de Direito Notarial em pós-graduação (FDRP-USP, Rede de Ensino LFG, IBEST)
Professor de Direito Internacional em graduação (UNESP-Franca, FDF-Franca)