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“O Brasil e Estônia foram exemplos de implementação de atos notariais online”

26 de ago de 2021

Notário canadense, Françoi Boucher, autor de “O Notário à Distância das Partes: Futuro ou Perigo ao Notariado?”, fala sobre o futuro dos atos notariais eletrônicos ao redor do mundo

Afetado pela pandemia causada pelo novo coronavírus, o notariado internacional respondeu à crise sanitária e às quarentenas decretadas por cada país de formas diferentes ao redor do mundo. Com a regulamentação do e-Notariado, o Brasil se colocou na vanguarda da prática do “ato remoto” e da utilização da videoconferência para aferição da vontade. Com soluções semelhantes, Canadá, Itália, Espanha, Alemanha, entre outros também procuraram prover alternativas digitais aos cidadãos que buscam a fé-publica notarial na prática de seus atos cotidianos.

A Academia Notarial Brasileira (ANB) conversou com François Boucher, notário da província de Québec, no Canadá, autor de “O Notário à Distância das Partes: Futuro ou Perigo ao Notariado?”, obra desenvolvida em parceria com a União Internacional do Notariado e apresentada no Colóquio Internacional de Montreal em junho deste ano.

 

ANB – Como a solução digital foi incorporada de diferentes formas ao notariado internacional durante a pandemia?

 Françoi Boucher – Com a chegada repentina da pandemia notários de diversos países tiveram que pensar em rápidas soluções para manterem os serviços ativos mesmo durante as quarentenas. Alguns países já tinham plataformas e soluções digitais para alguns casos, como em Québec, no Canadá. [Em Québec] já dispúnhamos de aconselhamento jurídico à distância e a possibilidade de realizar alguns tipos de escrituras em circunstâncias bem específicas, como a compra e venda de imóveis entre empresas já cadastradas e conhecidas pelos notários locais. Mas muitos outros países não tinham sequer uma estrutura parecida e, nestes casos, a dificuldade para se implementar algo digital foi muito maior, além de também delicada, pois é necessária uma curva de aprendizado das partes para que não haja erros e problemas durante a realização de um ato online. Por isso notamos que muitos países optaram por criar soluções urgentes e imediatas em partes. As procurações são atos que muitos países implementaram primeiro, como a Bélgica, Itália, Espanha e Alemanha, que permitiram a realização do documento por videoconferência ou assinatura digital desde abril de 2020. Essa foi a resposta do notariado destes países para que parentes de pessoas mais idosas pudessem realizar outros atos por meio da procuração, sem colocar em risco a vida dos mais velhos.

 

ANB – Há casos de sucesso que o senhor poderia apontar?

 Françoi Boucher – O Brasil e Estônia foram exemplos de implementação de atos notariais online. Na Estônia, a plataforma de atos digitais já pré-existente à pandemia apenas cresceu e se desenvolveu. Lá podemos notar um forte uso da plataforma para a realização de Escrituras de Transações Imobiliárias. No Brasil a plataforma nacional chama a atenção por abranger um país de magnitude continental e padronizar uma solução que vale para o país inteiro, diferente de outras nações que têm uma fragmentação de regulamentações entre diferentes províncias ou cidades.

 

ANB – Na obra o senhor cita também os perigos do ato notarial eletrônico. De que forma o tema é tratado no texto?

 Françoi Boucher – Enfatizo no texto que os fundamentos dos atos notariais devem ser mantidos na forma presencial ou online, ou seja, as mesmas garantias, efeitos e cuidados da realização de um ato feito em cartório deve ser levado para o ambiente digital. É inegável que o digital é o futuro e o notariado deva acompanhar o progresso eletrônico, mas o fator humano para a autenticação de um ato não pode nunca ser perdido. É necessário estar atento às modificações das formalidades de cada plataforma sem deixar a força do ato notarial se diluir em plataformas não regulamentadas. Há sim legisladores franceses que queiram reconhecer a assinatura de firmas de advogados que atuam online em documentos, que antes só poderiam ser realizados por notários. Baseado em estudos e segurança jurídica comprovada, esta possibilidade foi esgotada, pois trairia os princípios do preparo de notários no país.

 

ANB – Quais os mais recentes avanços dos atos notariais digitais?

 Françoi Boucher – Certamente posso citar o reconhecimento dos atos online pela União Internacional do Notariado. Seguindo parâmetros como a coleta de livre expressão de vontade, a garantia de identificação precisa das partes e a recusa do notário na coleta de assinaturas em caso de dúvidas durante o ato, o ato digital é uma possibilidade reconhecida pela UINL. Respeitando tais parâmetros, podemos já pensar no futuro do notariado digital.

 

ANB – E qual seria o futuro dos atos online?

 Françoi Boucher – Eu diria que, dentro das possibilidades legais, podemos pensar em um notariado latino unido, internacionalmente, fazendo valer documentos ou solicitações integradas mundialmente. A autenticação entre países, que vence barreiras geográficas, se bem analisada, construída e implementada, respeitando regulamentações bem definidas, tem fortes motivos para se tornar uma realidade. Pois, se os fundamentos da autenticação são iguais em todos os países do Direito Latino, seus efeitos também poderão ser. Para isso trabalhamos com estudos e pesquisas que ajudem a desenvolver estas questões e a entender as necessidades, falhas e pontos positivos do notariado eletrônico de diversos países.

 

Colóquio Internacional de Montreal