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“Os cartórios brasileiros possuem um maior potencial de contribuições ao sistema antilavagem pela sua grande capilaridade”

05 de maio de 2021

Ao contemplar os principais aspectos para a aplicação prática do Provimento nº 88/2019, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o “Manual de Compliance Notarial e Registral” traz um conteúdo essencial ao notariado brasileiro em oito capítulos. O autor da obra, fundador do Instituto de Compliance Notarial e Registral (ICNR), João Rodrigo Stinghen, conversa com a ANB sobre o papel do notário como agente da prevenção à lavagem de dinheiro e os tópicos tratados no livro.

A obra traz um panorama geral sobre as redes nacional e mundial antilavagem; análise do tipo “lavagem de dinheiro” tal como previsto na Lei nº 9.613/1998; análise ponto a ponto das comunicações de operações suspeitas ao Coaf, com indicações concretas de como fazer essas comunicações pelo SISCOAF; abordagem do dever de “diligência razoável”, uma “tradução” do conceito “know your client”; visão geral de como os delegatários podem evitar responsabilizações nos âmbitos civil, administrativo e criminal.

ANB – Qual a iniciativa da obra?

João Rodrigo Stinghen – Os autores – além de mim, a Dra. Aline Rodrigues de Andrade e o Dr. Bruno Zampier – possuem já há alguns anos uma atuação voltada para o atendimento de consultoria e contencioso relacionado a notários e registradores. Por isso, acompanhamos as atualizações normativas do setor. Com a publicação do Provimento 88, preocupamo-nos com as dificuldades que as serventias teriam em sua implementação, pois ele destoa da maioria das normativas do CNJ, exigindo a criação de estruturas de compliance. Diante disso, concebemos o Curso de Compliance Notarial e Registral, destinado a explicitar o cumprimento do Provimento 88 de uma maneira prática, leve e acessível. Valendo-nos da pesquisa que havíamos realizado para o curso, ato contínuo, tivemos a ideia de publicar o livro, reestruturando os materiais do curso. Esse trabalho não foi imediato nem fácil, pois pretendíamos produzir uma obra de excelência. Nesse ínterim, contamos com revisoras excepcionais: a Dra. Samila Ariana Alves Machado, sócia do ICNR; a Dra. Maiara Aparecida da Rosa de Souza; e a Dra. Amanda Gil, sócia da Lepanto, editora que publicou a obra.

 

ANB – O resultado da obra atingiu o esperado?

João Rodrigo Stinghen – O resultado ficou muito bom, modéstia à parte, tanto que o livro foi bastante elogiado por notários e registradores que o adquiriram, com destaque para: a Dra. Maria Goretti dos Santos Alcântara, titular do Ofício de Registros de Camboriú/SC e prefaciadora da obra; o Dr. André Villaverde, oficial do 2º Registro de Imóveis de Recife/PE e professor renomado na área; e a Dra. Karla de Castro Almeida Vieira, oficiala substituta do 3º Registro de Imóveis de Fortaleza/CE. Além disso, para nossa grande honra, fomos expressamente elogiados pelo Des. Ricardo Henry Marques Dip – ao nosso ver, a maior referência em Direito Notarial e Registral do Brasil – que teve contato com a obra por ser membro do Conselho Editorial da Lepanto.

 

ANB – Como as características do notariado brasileiro o transformam em um importante agente de prevenção à lavagem de dinheiro?

João Rodrigo Stinghen – No mundo todo, notários são instados a colaborar com o sistema antilavagem em razão das recomendações 22 e 23 do GAFI. Mas os agentes delegados brasileiros têm um papel quiçá mais relevante do que em outros países. Tendo em vista a estrutura organizacional das funções registral e notarial, os cartórios brasileiros possuem maior potencial de contribuições pela sua grande capilaridade. São mais de 13.000 serventias ativas, espalhadas por todos os municípios brasileiros, o que é impossível à maioria dos órgãos da Administra Pública. Além disso, ao contrário do que ocorre com outras pessoas obrigadas – tais como como contadores, corretores de imóveis e joalheiros, por exemplo – os agentes delegados possuem um conhecimento técnico-jurídico muito mais profundo. Isso lhes permite verificar, pela qualificação, a existência de ilicitudes de maneira mais acurada. Essas considerações são especialmente importantes no atual contexto de “desburocratização”.

 

ANB – Como avalia o cenário da desburocratização no Brasil?

João Rodrigo Stinghen – A chamada “Lei da Liberdade Econômica” (Lei nº 13.874/2019), por exemplo, pode trazer interpretações equivocadas em prejuízo da atividade notarial e de registro, pois veda a criação de “demandas artificiais” relacionadas a cartórios. A questão é que não existe livre mercado num ambiente de trapaças e desconfiança. Tanto é assim que a entrada no Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) depende de estar cumprindo as recomendações da entidade para combate à corrupção, lavagem de dinheiro e outros ilícitos. Destarte, em tempos de liberalismo econômico, cumprir as exigências do Provimento 88 é uma forma concreta de os cartórios demonstrarem para a sociedade sua relevância para a estabilidade das instituições e para o desenvolvimento econômico.

 

ANB – De que forma o notário poderá contribuir ainda mais como agente PLD/FT?

João Rodrigo Stinghen – Acredito que a melhor forma de contribuir ainda mais é cumprir o Provimento 88 de maneira integral. Não se trata apenas de detectar e comunicar operações suspeitas de maneira desorganizada, mas de implementar instrumentos de compliance eficientes, dentro de uma política de prevenção (art. 7º, Provimento 88). Mas para isso é preciso que os notários e registradores busquem uma visão positiva dessa regulamentação. É cediço que o ordenamento jurídico brasileiro prevê uma rede complexa de exigências para as serventias extrajudiciais. Isso faz com que alguns delegatários entendam ser desnecessária a aplicação de mecanismos de compliance – notadamente os oriundos do Provimento 88 e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) –, por entenderem que a atividade já é excessivamente regulamentada e controlada. Mas isso não pode ser motivo para desprezar as atualizações normativas do CNJ, que não deixam de ser cogentes por mais destoadas da realidade que possam parecer. Também é preciso recordar que o descumprimento das normas das corregedorias é altamente desaconselhado, tendo em vista a possibilidade de sanções a partir da Lei nº 8.935/1994.

 

ANB – Qual deve ser a postura dos notários frente à implementação do Provimento nº 88/CNJ?

João Rodrigo Stinghen – Costumo brincar com amigos delegatários que a pirâmide de Kelsen é diferente para a atividade notarial e registral, pois as normas das corregedorias estão acima da Constituição Federal. Brincadeiras à parte, é importante recordar que o Provimento nº 108/2020 do CNJ cobra dos Tribunais de Justiça estaduais o envio de estatísticas de aplicação de sanções por descumprimento do Provimento 88; isso significa que a insubordinação provavelmente não passará em branco por muito tempo. Entendo, portanto, que notários e registradores podem contribuir ainda mais para o sistema antilavagem se consentirem em assumir uma postura proativa e otimista em face das exigências trazidas pelo Provimento 88.

 

ANB – Qual a importância da capacitação de tabeliães neste assunto?

João Rodrigo Stinghen – Cumprir de verdade o Provimento 88 significa implementar um programa de compliance PLD/FT. A literatura especializada revela que um dos dez pilares do compliance é justamente o treinamento da equipe. A justificação é muito simples. De nada adianta um “compliance samambaia”, algo que você deixa num canto e não fazer diferença alguma. Se a equipe não estiver capacitada para compreender os principais conceitos envolvidos e sua aplicação prática na serventia, dificilmente conseguirá “tirar do papel” as políticas para fazer frente às requisições das corregedorias ou do próprio Coaf. No caso do delegatário, a obrigação de capacitação é intensificada. Em primeiro lugar, porque é em sua pessoa que incidirão as sanções previstas na lei para o descumprimento do Provimento 88. Em segundo lugar, porque ele é o centro do qual emana a autoridade na serventia, sem a qual qualquer programa de compliance é inefetivo; é o que a literatura especializada chama de Suporte da alta administração, outro pilar do compliance. Infelizmente, temos visto que essa não tem sido uma preocupação real em muitas serventias. E os resultados são concretamente aferíveis, pois recentemente o COAF divulgou nota informando que notários e registradores efetuaram milhares de comunicações nulas.

 

ANB – Como a obra se relaciona com o cotidiano dos cartórios e suas obrigações com o Coaf?

João Rodrigo Stinghen – O Manual de Compliance Notarial e Registral é uma obra essencialmente prática. É claro que abordamos os conceitos envolvidos, mas apenas na medida necessária para possibilitar a compreensão das indicações feitas para “tirar do papel” o Provimento 88. Todavia, sabemos das limitações que toda obra escrita possui, pois mesmo ela sendo em linguagem simples e direta, a explicação oral pode ser crucial para a compreensão da matéria. Tanto é assim que o curso de Direito não se resume a ler livros, mas também assistir aulas e fazer exames para aferir o progresso na compreensão das matérias. Portanto, convidamos todos a conhecerem nosso curso sobre o tema, que pode ser acessado pelo link: https://icnr.com.br/curso. Nele, temos cerca de 8h aulas divididas em vídeos de 15 minutos, o que permite uma progressão fácil nas temáticas, além de workshops práticos, checklists e questões objetivas e discursivas, com tutoria por e-mail durante por 120 dias.