Notícias
“Tornou-se imprescindível o investimento em tecnologia e segurança da informação”
23 de dez de 2020
Autor de livro sobre a LGPD, Edson Pires da Fonseca, fala sobre a economia digital e os impactos da nova legislação nos Cartórios de Notas do País, em entrevista à ANB
Em um panorama da economia digital e contextualização do surgimento das legislações de proteção de dados na Europa e no Brasil, o livro “Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais”, publicado pela Editora JusPodivm, apresenta os fundamentos, princípios e bases legais que autorizam o tratamento dos dados pessoais bem como os principais conceitos operacionais presentes na LGPD. O autor, Edson Pires da Fonseca, mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e professor de Privacidade e Proteção de Dados e Direito Constitucional, fala com a Academia Notarial Brasileira (ANB) sobre a obra e a importância da nova legislação que trata do tema no cotidiano dos Cartórios de Notas.
ANB – Como a obra aborda o assunto da proteção de dados? Qual a importância dessa leitura para os diversos setores que terão de tratar com a LGPD?
Edson Pires da Fonseca – A obra foi pensada para ser acessível aos diferentes públicos. A temática disciplinada pela LGPD é interdisciplinar, envolvendo, por exemplo, conhecimentos jurídicos, tecnológicos e de gestão. Assim, interessa a todos os segmentos da sociedade, seja porque tratam dados e terão de se adaptar à LGPD, como no caso das pessoas físicas que exercem atividade econômica e das pessoas jurídicas de direito público e privado, ou como titular dos dados, pois a autodeterminação sobre os nossos dados pessoais é fundamental em uma sociedade hiperconectada e com a economia movida a dados. Para que a obra fosse acessível a esses diferentes segmentos, optou-se por uma abordagem objetiva e didática, já que um elemento fundamental para a efetividade de uma Lei é que seja compreendida pelos seus destinatários. Para quem deseja aprofundar os estudos, indicações bibliográficas ao longo do texto proporcionam um panorama das principais obras sobre proteção de dados.
ANB – Qual é a iniciativa e objetivo da obra?
Edson Pires da Fonseca – Contribuir para o fortalecimento do ecossistema brasileiro de privacidade e proteção de dados pessoais, apresentando uma obra didática e de fácil compreensão, que aborda os aspectos essenciais da LGPD. O texto é objetivo, procura ir direto ao ponto, facilitando o aprendizado. Embora a obra ainda tenha poucas semanas no mercado, a receptividade tem sido excelente. O que os leitores têm destacado é exatamente o caráter didático do trabalho, que torna o livro acessível mesmo para quem não é da área jurídica ou tecnológica.
ANB – Por lidarem com dados pessoais todos os dias, qual a importância da
LGPD para os Cartórios de Notas do País?
Edson Pires da Fonseca – Os Cartórios de Notas devem ter especial atenção com a adequação à LGPD, que estabelece a aplicação aos serviços notariais e de registro exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, o mesmo tratamento dispensado às pessoas jurídicas de direito público (art. 23, §4)[1]. Assim, muito importante observar os artigos 23 a 32 da LGPD, que cuidam do tratamento de dados pelo poder público. Isto, é claro, não desobriga os serviços notariais e de registro de observarem os demais dispositivos da Lei, porém, os relacionados à atuação do poder público são o paradigma específico para o setor. É fundamental a adequação à Lei em termos de segurança e tecnologia da informação, inventariar os dados pessoais em tratamento, a forma como são coletados, armazenados e eliminados, adequação de procedimentos e adoção de boas práticas de governança em privacidade e proteção de dados, elaboração de política e aviso de privacidade, além da indicação do encarregado (DPO). Mas nada disso dará resultado se não houver uma política consistente de capacitação dos colaboradores, que promova uma mudança na cultura organizacional para que a proteção e o respeito à privacidade e aos dados pessoais sejam o padrão operacional (Privacy by Default).
O cartório também precisa atentar para o tratamento dos dados dos seus colaboradores, que deve ser realizado em sintonia com o disposto na Lei. Recomenda-se o registro de todas as ações de adequação à LGPD, produzindo uma robusta trilha de auditoria, que demonstrará o compromisso do Cartório de Notas com a adequação à Lei, o que será muito útil em caso de incidente ou de requisição de informações pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Embora geralmente se associe a LGPD ao ambiente digital, a Lei se aplica aos dados tratados no meio físico, o que obriga o cartório a adotar uma política adequada de tratamento dos dados que estão tanto em meio físico quanto digital. A abrangência dos projetos de adequação depende da condição econômica do cartório, o que não retira a obrigação de todos, dentro das suas possibilidades e obedecendo a parâmetros de razoabilidade, se adequarem à LGPD. Há muitas dúvidas sobre a aplicação da LGPD, inclusive no que diz respeito aos Cartórios, o que demandará atuação da ANPD. O que não pode é, por conta dessas incertezas, nada fazer.
*1 § 4º Os serviços notariais e de registro exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, terão o mesmo tratamento dispensado às pessoas jurídicas referidas no caput deste artigo, nos termos desta Lei.
ANB – Como os atos notariais online, como divórcios, testamentos e
procurações por videoconferência, regulamentados no mês de maio pelo Procedimento nº 100/2020, trazem os notários para um novo ambiente de cuidados com dados pessoais de clientes?
Edson Pires da Fonseca – Estamos passando por uma inegável virtualização da vida, que foi acelerada exponencialmente com a pandemia da Covid-19. De repente, começamos a trabalhar em home office, estudar em plataformas online, comprar de tudo por meio de aplicativos etc. Isso impactou todas as áreas, inclusive, áreas tradicionais como a notarial. O Provimento nº 100, de 26 de maio de 2020, traz questões importantes que os Cartórios devem observar do ponto de vista da proteção de dados pessoais. Com a execução de procedimentos por meios digitais, por exemplo, haverá a necessidade de realização de videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre o ato jurídico (art. 3º, I, do Provimento); também pode haver tratamento de dados biométricos (art. 18 do Provimento), considerados sensíveis pela LGPD. Tudo isso exige atenção redobrada com a segurança e a prevenção, que são princípios da proteção de dados pessoais. O acesso ao e-Notariado, por exemplo, estabelecido no artigo 9º do Provimento, homenageia o princípio da segurança, estabelecendo diferentes perfis de acesso. Mas de nada adianta essa cautela se a cultura organizacional permitir que se faça vista grossa para o compartilhamento irregular dos acessos, por exemplo. Com atos notariais realizados de maneira online, o cuidado com a proteção dos dados pessoais de todas as partes envolvidas (stakeholders) ganha ainda mais relevo. Tornou-se imprescindível o investimento em tecnologia e segurança da informação. A preocupação com a proteção dos dados pessoais dos usuários dos serviços notariais é essencial para a conformidade com a LGPD e para a própria integridade dos serviços prestados. O respeito à autodeterminação informativa é um dos fundamentos da LGPD e deve nortear toda a relação dos serviços notariais com os usuários, que deve ser transparente, observando princípios como o da prevenção e da segurança, já que incidentes em matéria de proteção de dados trazem danos irreparáveis.
ANB – Qual a importância da LGPD para os negócios e para o mercado no Brasil?
Edson Pires da Fonseca – A LGPD é de fundamental importância para os negócios e para o mercado. Se os dados são o principal ativo da economia, e se são manifestação da própria personalidade humana, fundamental que sejam protegidos, e o seu uso disciplinado. A LGPD busca criar um cenário de equilíbrio, protegendo a autodeterminação informativa, o direito do titular de decidir, salvo exceções previstas na Lei, sobre o tratamento dos seus dados; de outro lado, trará mais segurança jurídica às organizações, estabelecendo parâmetros para a utilização dos dados pessoais em seus negócios, harmonizando, na maior medida possível, o tratamento dos dados com os direitos dos titulares. Adequar-se à LGPD, além de exigência legal, é uma oportunidade de revisão da governança da organização, de estabelecer relações mais transparentes com colaboradores e clientes. Além disso, o respeito à privacidade e à proteção dos dados pessoais pode ser um importante diferencial em um cenário econômico cada vez mais competitivo.